Comentários sobre Eclesiastes

Os dois comentários sobre Eclesiastes que comprei na Amazon, em formato Kindle, são:

Craig G Bartholomew, Ecclesiastes (Baker Commentaries on the Old Testament Wisdom and Psalms; Baker Academic / Baker Publishing Group, Grand Rapids, MI, 2009; e-book, 2013)

Peter Ens, Ecclesiastes (The Two Horizons Old Testament Commentary; Wm B Eerdmans Publishing, Grand Rapids, MI, 2011)

Se alguém tiver mais sugestões, por favor, deixem como comentário ou me enviem para edu@chaves.im. Obrigado.

Em São Paulo, 24 de Setembro de 2013

“Is Ecclesiastes a Misfit?”

Meu pedido de ajuda, na forma de sugestões, ideias, bibliografia acerca de Eclesiastes já começa a surtir efeito.

Uma das indicações que recebi (de meu amigo Enézio Eugênio de Almeida Filho) foi de um artigo, com o título acima, de Roy B. Zuck, Vice-president for Academic Affairs and Professor of Bible Exposition, Dallas Theological Seminary, Dallas, Texas, publicado em Bibliotheca Sacra 148 (January-March 1991) 46-56.

Tomo a liberdade de citar o início do artigo, porque ele coloca bem a problemática posta pelo conteúdo de Eclesiastes.

“Through the centuries many people have questioned whether the Book of Ecclesiastes belongs in the biblical canon, and especially in the wisdom corpus. Since it seems to underscore the futility and uselessness of work, the triumph of evil, the limitations of wisdom, and the impermanence of life, Ecclesiastes appears to be a misfit.

Because it apparently contradicts other portions of Scripture and presents a pessimistic outlook on life, in a mood of existential despair, many have viewed it as running counter to the rest of Scripture or have concluded that it presents only man’s reasoning apart from divine revelation.

Smith wrote, “There is no spiritual uplift embodied within these pages. … Ecclesiastes … accomplishes only one thing, confusion. Reason is elevated throughout the whole work as the tool with which man may seek and find truth.” [1]

Scott affirms that the author of Ecclesiastes “is a rationalist, a skeptic, a pessimist, and a fatalist. … In most respects his view runs counter to his religious fellow Jews.” [2]

Crenshaw speaks of the “oppressiveness” of Ecclesiastes, which conveys the view “that life is profitless; totally absurd.” [3] Since “virtue does not bring reward” and since God “stands distant, abandoning humanity to chance and death,” this book, Crenshaw asserts, contrasts “radically with earlier teachings expressed in the book of Proverbs.” [4]. “Qoheleth [the author] discerns no moral order at all,” [5] for “life amounts to nothing.” [6] 

NOTES

[1] L. Lowell Smith, “A Critical Evaluation of the Book of Ecclesiastes,” Journal of Bible and Religion, 21 (April 1953): 105.

[2] R. B. Y. Scott, Proverbs, Ecclesiastes, The Anchor Bible (Garden City, NY: Doubleday & Co., 1965), p. 192.

[3] James L. Crenshaw, Ecclesiastes: A Commentary {Philadelphia: Westminster Press, 1987), p. 23.

[4] Ibid.

[5] Ibid.

[6] Ibid., p. 34.

* This article is adapted from Roy B. Zuck, “A Biblical Theology of the Wisdom Books and The Song of Songs,” in Biblical Theology (Chicago: Moody Press, forthcoming [in 1991]).

Em 24 de Setembro de 2013

Um Breve Comentário sobre Eclesiastes: Um Projeto . . .

Estou pensando seriamente em escrever um breve comentário sobre o livro de Eclesiastes do Antigo Testamento, dirigido a leigos, não a pastores e teólogos.

Além do conteúdo do livro, em si, interessam-me as questões hermenêuticas que o livro coloca para judeus e cristãos, pois é um livro atípico, escrito por alguém que está totalmente desiludido da vida, que não vê nenhum sentido nela, e que parece achar que Deus está se lixando para o fato. E, entretanto, o livro é parte integrante do cânon tanto judeu como cristão.

A tendência da hermenêutica judaico-cristã tem sido fazer de conta que Eclesiastes (junto com Provérbios e Cântico dos Cânticos) entrou meio que por acaso no cânon e pode ser ignorado com impunidade.

Eu discordo dessa postura. Acho que a mensagem de Eclesiastes precisa ser levada a sério, e as questões hermêuticas que o livro levanta mais ainda! Quero enfrentar o desafio — pegar o peão na unha, como se dizia. Já estou bem munido. Andei comprando vários livros e comentários sobre Eclesiastes no Kindle. Carinhos, mas valeram (estão valendo) a pena.

Este é o meu livro favorito da Bíblia. Para se ter uma ideia, de 23 de Agosto (quando o redescobri) até hoje, um mês, eu o li várias vezes, e o fiz em Português, Inglês e Espanhol. No caso do Português, usando traduções diferentes.No caso do Inglês, usando uma tradução parafraseada de que gosto muito. . .

É um livro curto: só 12 capítulos, alguns, como o último, curtinhos. . . À primeira vista, parece ter dois autores: um que faz a apresentação do autor principal, no primeiro capítulo, e dá um fechamento, no último, e alguém que escreve o miolo: os capítulos 2 a 11 e uma parte do primeiro e do último.

O miolo principal do livro é apresentado como tendo sido escrito pelo Rei Salomão, filho de David. Mas a maior parte dos analistas duvida disso.

Se alguém tiver algum material, ou indicação bibliográfica, ou ideia, ou sugestão, pode me enviar no meu e-mail privado ao qual se vinculam minha conta do Facebook e este blog: edu@chaves.im. Ou pode deixar um comentário aqui no blog.

Em São Paulo, 24 de Setembro de 2013

A Sabedoria de Eclesiastes. . . (Meus versículos favoritos)

[Exceto onde indicado (quatro citações), no restante foi usada a Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH).]

“Procurei descobrir qual a melhor maneira de viver e então resolvi me alegrar com vinho e me divertir. Pensei que talvez fosse essa a melhor coisa que uma pessoa pode fazer durante a sua curta vida aqui na terra” (Eclesiastes 2:3). 

“Eu me arrependi de ter trabalhado tanto e fiquei desesperado por causa disso. A gente trabalha com toda a sabedoria, conhecimento e inteligência para conseguir alguma coisa e depois tem de deixar tudo para alguém que não fez nada para merecer aquilo. Isso também é ilusão e não está certo!” (Eclesiastes 2:20-22).

“Então entendi que nesta vida tudo o que a pessoa pode fazer é procurar ser feliz e viver o melhor que puder” (Eclesiastes 3:12).

“Todos nós devemos comer e beber e aproveitar bem aquilo que ganhamos com o nosso trabalho. Isso é um presente de Deus”  (Eclesiastes 3:13).

“É melhor ter pouco numa das mãos, com paz de espírito, do que estar com as duas mãos sempre cheias de trabalho, tentando pegar o vento. Descobri que na vida existe mais uma coisa que não vale a pena: é o homem viver sozinho, sem amigos, sem filhos, sem irmãos, sempre trabalhando e nunca satisfeito com a riqueza que tem. Para que é que ele trabalha tanto, deixando de aproveitar as coisas boas da vida? Isso também é ilusão, é uma triste maneira de viver” (Eclesiastes 4:6-8).

“Se faz frio, dois podem dormir juntos e se esquentar; mas um sozinho, como é que vai se esquentar?” (Eclesiastes 4:11).

“Tenha cuidado quando for ao Templo.  . . . Vá pronto para ouvir e obedecer a Deus. Pense bem antes de falar e não faça a Deus nenhuma promessa apressada . . . Fale pouco. Quanto mais você se preocupar, mais pesadelos terá; e quanto mais você falar, mais tolices dirá. . . É melhor não prometer nada do que fazer uma promessa e não cumprir” (Eclesiastes 5:1-5).

“Então cheguei a esta conclusão: a melhor coisa que uma pessoa pode fazer durante a curta vida que Deus lhe deu é comer e beber e aproveitar bem o que ganhou com o seu trabalho. Essa é a parte que cabe a cada um” (Eclesiastes 5:18.

“Se Deus der a você riquezas e propriedades e deixar que as aproveite, fique contente com o que recebeu e com o seu trabalho. Isso é um presente de Deus. E você não sentirá o tempo passar, pois Deus encherá o seu coração de alegria” (Eclesiastes 5:19-20).

“Uma coisa é certa: quanto mais falamos, mais tolices dizemos; e não ganhamos nada com isso”.(Eclesiastes 6:11).

“Quem só pensa em se divertir é tolo; quem é sábio pensa também na morte.” (Eclesiastes 7:4).

“É melhor ouvir a repreensão de um sábio do que escutar elogios de um tolo” (Eclesiastes 7:5).

“Não existe no mundo ninguém que faça sempre o que é direito e que nunca erre” (Eclesiastes 7:20).

“Estou convencido de que devemos nos divertir porque o único prazer que temos nesta vida é comer, beber e nos divertir. Podemos fazer pelo menos isso enquanto trabalhamos durante a vida que Deus nos deu nesta terra” (Eclesiastes 8:15).

“Só os vivos têm esperança. É melhor ser um cachorro vivo do que um leão morto!” [Eclesiastes, 9:4; tradução A Bíblia Viva.]

“Enquanto você viver neste mundo de ilusões, aproveite a vida com a mulher que você ama. Pois isso é tudo que você vai receber pelos seus trabalhos nesta vida dura que Deus lhe deu.” (Eclesiastes 9:9).

“Eu descobri mais outra coisa neste mundo: nem sempre são os corredores mais velozes que ganham as corridas; nem sempre são os soldados mais valentes que ganham as batalhas. Notei ainda que as pessoas mais sábias nem sempre têm o que comer e que as mais inteligentes nem sempre ficam ricas. Notei também que as pessoas mais capazes nem sempre alcançam altas posições.Tudo depende da sorte e da ocasião” (Eclesiastes 9:11).

“Se alguém colocar moscas mortas num vídeo de perfume, ele acabará cheirando mal! Assim, um pequeno erro pode destruir muita sabedoria e honra.” [Eclesiastes, 10:1; tradução A Bíblia Viva].

“Quem fica esperando que o tempo mude e que o tempo fique bom, nunca plantará, nem colherá nada”. (Eclesiastes 11:4).

“Se você esperar que tudo fique normal, jamais fará qualquer coisa”. (Eclesiastes 11:4; tradução A Bíblia Viva.)

“É maravilhoso viver! Ver a luz, o sol! Se uma pessoa chegar à velhice, deve se alegrar em todos os dias de sua vida. Mas se deve lembrar também que a eternidade é muito mais comprida; quando se compara a vida com a eternidade, o que fazemos aqui não vale nada!” [Eclesiastes, 11:7-8; tradução A Bíblia Viva.]

Em São Paulo, 23 de Setembro de 2013

Revisto e ampliado em Salto, 12 de Junho de 2015

Revisto em Salto, 14 de Março de 2017

Olhai os lírios do campo. . .

“Não andeis preocupados com a vida pelo, que haveis de comer, nem com o corpo pelo que haveis de vestir. Pois a vida é mais que o alimento e o corpo mais que a roupa. . . .  Qual de vós, por mais preocupado que esteja, pode acrescentar um cúbito à sua estatura? Se pois, não podeis fazer nem as coisas mínimas, porque vos preocupais pela outras? . . . Não procureis, pois, o que comereis ou bebereis, nem vos preocupeis, porque os homens do mundo é que procuram todas essas coisas; mas vosso Pai sabe que precisas delas.”

(Jesus de Nazaré, conforme Lucas 12:22-30)

Nunca imaginei que eu, um cara ansioso e preocupado, um dia estaria citando isso. . .

Em São Paulo, 23 de Setembro de 2013.

Explicando o título deste blog

Quem quiser entender o título deste blog deve ler o primeiro post.

Leisure time, tempo livre, é necessário para combater a nossa agenda superlotada e nos deixar tempo para pensar livremente… Livre pensar, disse Millôr, é só pensar. Mas, para isso, precisamos de tempo livre.

LivreMente é uma mente livre (entre outras coisas) de preocupações. Quando estamos preocupados, como problemas reais ou imaginários, nossa mente fica presa a elas e não conseguimos pensar noutra coisa. Para que possamos usar bem a nossa mente, de forma criativa e inteligente, é necessário liberta-la de preocupações, torna-la livre, da mesma forma que libertamos nossa agente de compromissos, tornando o nosso tempo livre.

O artigo de Henri Nouwen chama nossa atenção para esses dois lados da questão.

Tempo livre (agenda livre) sem mente livre simplesmente nos dá mais tempo para ficar alimentando nossas preocupações, lambendo nossas feridas. . . Assim, desperdiçamos nosso tempo livre.

A mente livre, mas sem tempo livre, é um recurso precioso que também pode ser desperdiçado.

A ênfase do blog está em procurar juntar as duas coisas.

Em 23 de Setembro de 2013

Epitáfio

Na mesma linha do poema “Instantes”, compare-se a letra da música Epitáfio, dos Titans:

Devia ter amado mais, ter chorado mais,
Ter visto o sol nascer…
Devia ter arriscado mais e até errado mais,
Ter feito o que eu queria fazer…

Queria ter aceitado as pessoas como elas são,
Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração.
O acaso vai me proteger, enquanto eu andar distraído,
O acaso vai me proteger, enquanto eu andar…

Devia ter complicado menos, trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr…
Devia ter me importado menos com problemas pequenos
Ter morrido de amor…

Queria ter aceitado a vida como ela é,
A cada um cabe alegrias e a tristeza que vier.
O acaso vai me proteger, enquanto eu andar distraído,
O acaso vai me proteger, enquanto eu andar…

Devia ter complicado menos, trabalhado menos…

Em São Paulo, 22 de Setembro de 2013

(Originalmente publicado em meu outro blog, In Defense of Freedom – Liberal Space, em 24 de Julho de 2008).

Instantes

O poema a seguir é atribuído a Jorge Luís Borges. Na Internet há uma viva discussão se ele é o autor, ou se o poema é de outro autor (Don Herold, talvez), tendo Borges apenas o adaptado, se tanto. De qualquer modo, o conteúdo não se altera, qualquer que seja o autor.

Si pudiera vivir nuevamente mi vida,
en la próxima trataría de cometer más errores.
No intentaría ser tan perfecto, me relajaría más.
Sería más tonto de lo que he sido,
de hecho tomaría muy pocas cosas con seriedad.
Sería menos higiénico.
Correría más riesgos,
haría más viajes,
contemplaría más atardeceres,
subiría más montañas, nadaría más ríos.
Iría a más lugares adonde nunca he ido,
comería más helados y menos habas,
tendría más problemas reales y menos imaginarios.

Yo fui una de esas personas que vivió sensata
y prolíficamente cada minuto de su vida;
claro que tuve momentos de alegría.
Pero si pudiera volver atrás trataría
de tener solamente buenos momentos.

Por si no lo saben, de eso está hecha la vida,
sólo de momentos; no te pierdas el ahora.

Yo era uno de esos que nunca
iban a ninguna parte sin un termómetro,
una bolsa de agua caliente,
un paraguas y un paracaídas;
si pudiera volver a vivir, viajaría más liviano.

Si pudiera volver a vivir
comenzaría a andar descalzo a principios
de la primavera
y seguiría descalzo hasta concluir el otoño.
Daría más vueltas en calesita,
contemplaría más amaneceres,
y jugaría con más niños,
si tuviera otra vez vida por delante.

Pero ya ven, tengo 85 años…
y sé que me estoy muriendo.

Em São Paulo, 22 de Setembro de 2013
(Originalmente publicado em meu outro blog, In Defense of Freedom – Liberal Space, em 24 de Julho de 2008).

 

Em Defesa do Tempo Livre — e de uma Mente Livre

Como digo na página “Sobre este Blog”, criei este blog para nele defender algumas coisas nem sempre muito populares hoje em dia: tempo livre, um certo nível de simples e decente vagabundagem, o que no passado já se chamou de “ócio com dignidade” — otium cum dignitate

Estou convencido de que a inteligência e a criatividade não prosperam sem tempo para pensar livremente, isto é, para brincar e jogar com ideias, para ousar, para imaginar ou mesmo inventar coisas que, num outro ambiente, seriam censuradas ou proibidas, para criar, ainda que apenas no virtual, um mundo totalmente diferente…

Ninguém consegue fazer isso quando tem uma agenda cheia de compromissos, produtos (ainda que relatórios ou artigos) para entregar dentro de prazos inegociáveis…

Andava preocupado com isso, por uma série de razões que não vêm todas ao caso — exceto por uma: fiz setenta anos no dia 7 de Setembro de 2013.

Por coincidência, hoje de manhã, quinze dias depois, 22 de Setembro de 2013, ouvi no sermão do Rev. Valdinei Aparecido Ferreira uma citação que imediatamente me chamou a atenção. Foi de um padre chamado Henri Nowen, falecido em 1996. Eis a citação:

“A questão que precisa guiar toda atividade organizadora na igreja não é como manter as pessoas ocupadas, mas como impedi-las de ficar tão ocupadas a ponto de não mais ouvir a voz de Deus que fala em silêncio.”

(Henri Nouwen, A Espiritualidade do Deserto e o Ministério Contemporâneo, p. 56).

A passagem me marcou tanto que eu a transcrevi quase com exatidão momentos depois. Eis o que ficou em minha mente e que rabisquei num espaço livre do boletim da a igreja:

“A missão da igreja nos dias de hoje não é manter as pessoas ocupadas, mas impedi-las de se tornarem tão ocupadas que não sejam capazes de ouvir a voz de Deus”.

Fui procurar mais coisa sobre ele Henri Nouwen na Internet e achei esta preciosidade. A citação é longa, mas vale a pena:

[Início da citação]

“Uma das características mais óbvias das nossas vidas diárias é que estamos atarefados. Na nossa vida os dias são cheios de coisas para fazer, pessoas para encontrar, projetos para terminar, cartas para escrever, telefonemas para completar, e compromissos para guardar. Nossas vidas muitas vezes parecem malas abarrotadas rebentando nas costuras. Na realidade, quase sempre estamos cônscios de algum atraso. Há um sentimento incômodo que importunamente nos avisa que há tarefas incompletas, promessas não cumpridas, propostas não realizadas. Sempre há algo mais que deveríamos ter lembrado, feito ou dito. Sempre há pessoas com quem não falamos, a quem não escrevemos ou não visitamos. Assim, embora sejamos muito atarefados, também temos um sentimento persistente de que nunca realmente cumprimos nossas obrigações.

O estranho, porém, é que é muito difícil não estar atarefado. Estar atarefado tornou-se um símbolo de status. As pessoas esperam que estejamos ocupados e que tenhamos muitos assuntos na nossa mente. Freqüentemente nossos amigos nos dizem:

‘Imagino que você está ocupado como sempre’, e o dizem em tom de elogio. Reafirmam a presunção generalizada que é bom estar atarefado. De fato, os que não sabem o que fazer no futuro imediato incomodam seus amigos. Estar atarefado e ser importante normalmente parecem significar a mesma coisa. Muitos telefonemas começam com a frase: ‘Sei que você está ocupado, mas será que poderia me dar um minuto?’ Com isto, sugerem que tomar um minuto de quem tem uma agenda cheia vale mais do que tomar uma hora de quem tem pouco para fazer.

Na nossa sociedade orientada para produção, estar atarefado ou ter uma ocupação tornou-se uma das principais formas, se não a principal, de nos identificar. Sem uma ocupação, não só nossa segurança econômica, mas nossa própria identidade é ameaçada. Isto explica o grande temor com que muitas pessoas enfrentam a aposentadoria. Afinal, quem somos depois de não mais ter uma ocupação?

Mais escravizadoras do que nossas ocupações, porém, são as nossas preocupações. Estar preocupado significa encher nosso tempo e espaço muito antes de chegar lá. Isto é inquietação no sentido mais específico da palavra. É uma mente cheia de ‘se’. Dizemos a nós mesmos: ‘E se eu ficar gripado? Se eu perder meu emprego? Se o meu filho não chegar em casa na hora certa? Se não houver bastante alimento amanhã? Se eu for atacado? Se uma guerra começar? Se o mundo acabar? Se … ?’ Todas essas perguntas enchem a nossa mente com pensamentos ansiosos e fazem-nos indagar constantemente sobre o que fazer e o que dizer caso algo aconteça no futuro. Grande parte, senão a maioria, do nosso sofrimento tem ligação com estas preocupações. Possíveis mudanças de carreira, possíveis conflitos familiares, possíveis enfermidades, possíveis desastres, e um possível holocausto nuclear fazem-nos ansiosos, temerosos, desconfiados, gananciosos, nervosos e melancólicos. Impedem-nos de sentir uma verdadeira liberdade interior. Por estarmos sempre prontos para eventualidades, raramente confiamos plenamente no agora. Não é exagero dizer que grande parte da energia humana é investida nestas preocupações temerosas. Tanto nossa vida individual como coletiva estão tão profundamente moldadas por nossas preocupações com o amanhã, que dificilmente o hoje pode ser vivido.

Não somente estar ocupado mas também estar preocupado é altamente encorajado por nossa sociedade. A forma que jornais, rádio e televisão nos comunicam suas informações cria uma atmosfera de constante emergência. As vozes excitadas dos repórteres, a preferência por acidentes repugnantes, crimes cruéis, e conduta pervertida, e a cobertura de hora em hora da miséria humana dentro e fora do país, lentamente nos engolfam num senso abrangente de iminente destruição. Além de todas essas notícias ruins existe a avalanche de anseios. Sua insistência inflexível de que perderemos alguma coisa muito importante se ficarmos sem ler este livro, sem ver este filme, sem ouvir este locutor, ou sem comprar este novo produto, intensifica nossa inquietação e acrescenta muitas preocupações fabricadas às preocupações já existentes. Às vezes parece como se nossa sociedade dependesse da manutenção dessas preocupações artificiais. Que aconteceria se parássemos de nos preocupar? Se o desejo por divertir tanto, viajar tanto, comprar tanto, e nos proteger tanto, não mais motivasse nosso comportamento, será que nossa sociedade atual ainda poderia funcionar? A tragédia é que realmente estamos presos num emaranhado de expectativas falsas e necessidades arranjadas.

Nossas ocupações e preocupações enchem nossas vidas externas e internas até ao máximo. Impedem o Espírito de Deus de fluir livremente em nós e desta forma renovar nossas vidas.”

(Henri Nouwen, Espaço para Deus)

[Fim da citação]

Em São Paulo, 22 de Setembro de 2013.